Qualé a desse tal de…. Qasir al-Wasat

  11/09/2012 - 16:18   ajudanoosbrotherindie, qasir,  
 

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Ser invisível sempre foi um sonho bem clichê. Sair por aí bagunçando tudo sem ser visto é um desejo que provavelmente surgiu no mesmo momento em que o ser humano passou a conseguir identificar os outros pela aparência e dizer “Me desculpe, mas que merda o senhor pensa que está fazendo?”. Ao mesmo tempo, a ideia de estar sendo observado por alguma coisa invisível costuma causar um grande desconforto e cagaço na maioria das pessoas. Videogames geralmente usam isso para deixar inimigos mais aterrorizantes (todo mundo fica mais atento quando sabe que um inimigo invisível está a solta) ou pra dar ao jogador a sensação de superioridade (principalmente em modos multiplayer), mas é raro alguém transportar com sucesso para a mecânica de jogo a ideia de que você pode ser vulnerável mesmo sendo invisível. Em torno desse conceito inusitado, os caras da Aduge criaram um dos melhores jogos já vistos no Brasil.

Quando tento explicar o que é Qasir al-Wasat: A Night in Between para alguém, começo sempre dizendo que é um jogo stealth onde você controla um bicho invisível, e, apesar do bicho ficar visível em algumas partes, a essência do jogo é essa aí mesma. Se você é desses que gosta de olhar as figuras antes de ler o texto, deve ter notado que em algumas imagens realmente é difícil saber onde está o protagonista. Prestando um pouco mais de atenção, notará que existe um vulto sutil ali, transparente o suficiente para que sua invisibilidade seja levada a sério, mas ainda assim discernível o bastante para que o jogador não o perca de vista. Aqui a direção de arte já começa a brilhar.

E criar um personagem invisível e visível ao mesmo tempo não é o único mérito da direção de arte. Existe uma grande riqueza de detalhes em cada item, em cada texto estilizado (não sei árabe e não sei se tem alguma coisa escrita de verdade neles, mas que são bonitos, são) e nos cenários. Cada uma das muitas salas do palácio onde se passa o jogo é única e bem detalhada. Há um grande contraste entre os cômodos “habitados”, sempre bem iluminados, cheios de móveis e tapetes, e as áreas “antigas” do palácio que escondem segredos, mais vazias e escuras, deixando o jogador mais atento às possíveis armadilhas.

Depois de Okami, se tornaram comuns jogos sobre o Japão antigo com um estilo visual baseada na própria arte da época, como Sumioni e Muramasa por exemplo. Qasir tenta fazer o mesmo com a arte persa/islâmica, influenciado principalmente pela Vanillaware, sempre lembrando uma pintura, até com um fundo de cenário que parece um papel ao invés do tradicional fundo preto. A diferença é que o jogo tem uma outra grande influência na arte: Zelda (principalmente A Link to The Past).  Óbvia na perspéctiva do jogo e nos personagens caricatos. Essa mistura resulta em pequenos arabezinhos com suas barbas e narigões em versão “super-deformed”, mas ainda lembrando muito a arte antiga daquela região. E os humanos no jogo não parecem mini-craques a toa: nosso assassino invisível enxerga humanos como seres inferiores e isso é repassado ao jogador através dessa “cartunização”. Personagens mais respeitáveis costumam parecer mais reais (mas não muito).

Acho que falta um acento aí ein

Mas afinal, o que nosso amigo invisível que parece uma cruza de ornitorrinco com rato de penas está fazendo neste palácio? Matando pessoas, oras. O que mais poderia ser? Logo no início do jogo você é chamado para o mundo dos homens e incumbido da missão de assassinar três alvos que possuem armas muito valiosas. Sua recompensa por isso são as próprias armas (sabe como é, freelancer e tal). Entre um árabe morto e outro você vai ouvindo umas conversas, lendo umas cartinhas, achando uns portais interdimensionais e começa a perceber que tem caroço nesse angu (ou nesse tabule). Não existem NPCs que conversam com você ou narradores, e todos os detalhes da trama e do universo do jogo devem ser descobertos durante a investigação do palácio.

Investigação que pode ser feita da maneira que você bem entender, inclusive. A partir de um certo ponto você passa a ter liberdade pra escolher o caminho que achar melhor, matando quem bem entender. Não é uma tarefa fácil, mas dá pra terminar o jogo sim matar ninguém além das três vítimas principais (foi mal ae vítimas). Mesmo aqueles que carregam chaves por aí, se você esperar o suficiente, uma hora acabam usando a chave e você pode entrar nos locais sem precisar deixar orfão mais um filho de guarda de palácio. Isso é digno de aplausos em uma mídia onde estamos tão acostumados a ver a banalização do genocídio de guardinhas estereotipados (chupa Nathan Drake).

Deixa um pastor ver isso aí

Por incrível que pareça, fugir é uma coisa que você acaba fazendo muito em QAW (pra vocês que curtem siglas). Pra compensar a invisibilidade, os guardas do palácio têm uma audição incrivelmente bem treinada e conseguem te perseguir com facilidade se você começar a correr e fazer barulho por aí. E uma perseguição é morte quase certa, já que o jogo não te dá muitas opções de como interagir com o ambiente. Apenas três botões são usados: um pra andar devagar (e enxergar coisas escondidas), um pra bater (e usar itens e abrir portas) e um que explico melhor mais à frente (guenta aí).

Essa simplicidade dos controles é um tanto estranha quando se está acostumado com os jogos recentes, onde você tem sempre mais de 10 maneiras de matar alguém, e isso pode broxar algumas pessoas, mas ela é necessária pra não deixar o jogo fácil demais. Um golpe é suficiente pra matar qualquer inimigo instantaneamente, porém, dada a simplicidade do golpe, não é fácil pegar o timing pra matar o inimigo antes que ele saque a pexera. Se você ainda tiver veneno, o inimigo morre de forma misteriosa (pros outros) e sem rastros; se não, sangue jorra em cima de você e aí, até você achar água pra se limpar, o jogo entra no modo paparazzi onde todo mundo sai correndo te persegue pra pedir um autógrafo na espada. Acho que deu pra sacar que não é prudente sair por aí matando todo mundo e gastando veneno adoidado.

Sr tem uma mancha na sua cara sr deixa eu limpar

Ignorando a existência dos botões de menu e mapa, o terceiro botão serve pra analisar elementos do cenário ao seu redor. Sempre que aparecer uma interrogação ou exclamação na tela, é porque você pode apertar a tecla (no meu caso, espaço) e ter uma descrição melhor do objeto que está na sua frente. Muito útil quando você está perdido ou quando precisa entender melhor algum puzzle. Sim, temos puzzles, porque nem só de matança vive uma criatura mística de outro mundo. Em várias partes do jogo seu cérebro é requisitado para resolver algum enigma. Alguns são bem óbvios e nem tem muito a ver com o resto do jogo, seguindo uma linha meio Professor Layton. São bem pensados, mas meio repetitivos às vezes. Já em outros você só percebe que resolveu um puzzle quando ele termina, o que proporciona alguns dos momentos mais legais do jogo.

Além de exigir seu raciocínio e furtividade, QAW às vezes demanda também reflexos rápidos e habilidade nos dedos para desviar de armadilhas, principalmente espinhos. Nesses momentos o jogo pode ficar um pouco frustrante, seja pela dificuldade ou pela eventual falta de precisão nos controles. A boa notícia é que com o tempo você acaba pegando “as manhas” desse tipo de obstáculo e eles vão ficando mais fáceis.

Por fim, mas não menos importante, o som do jogo merece destaque. No lugar de música e vozes, o que se tem é um som específico para as ações e falas de cada tipo de personagem, o que reforça a “personalidade” deles e vai criando uma música simples que funciona como trilha sonora e ajuda a comunicar ao jogador o estado dos inimigos. Os únicos sons mais realistas vêm das armadilhas e dos passos do personagem principal, também os únicos que ecoam e ajudam a marcar o vazio do local (criando às vezes um som ambiente maneiro).

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O califa tá de olho no decote dela

Segundo o manual do jogo, ele pode ser terminado em 37 minutos, mas você tem que ser realmente muito bom pra isso – muito mesmo. Jogando pela primeira vez, levei pelo menos 3 horas. Isso considerando que repeti algumas partes mais difíceis várias vezes (felizmente os save points são bem generosos) e em alguns momentos fiquei andando perdido pelo palácio sem saber direito pra onde ir (todo mundo que já jogou Metroid ou um desses Castlevanias 2D mais recentes sabe como é isso). Talvez minha única decepção em toda a experiência tenha sido o final, que não é exatamente ruim, mas meio repentino e menos impactante do que o esperado.

Acho que eu ia preferir ficar invisível também

E é assim que Qasir chegou com tudo e entra pra lista de jogos com inicial Q, ao lado de Q*Bert e Quake, facilitando a vida de quem coloca a categoria “games” no Stop. Mais do que isso, ele também pra lista de jogos mais originais de 2012. A temática medieval árabe já não é algo tão comum, e Qasir al-Wasat consegue ir além, criando algo novo tanto na sua arte quanto na sua narrativa, além de trazer um pouco daquela dificuldade e liberdade old-school em uma época em que os desenvolvedores parecem subestimar a inteligência dos jogadores tratando todo mundo como criança.

A torcida do GAMESFODA é que um dos títulos mais interessantes já criados neste país (se não o mais) não passe despercebido como seu personagem principal.

 

Qasir Al-Wasat: A Night in Between, desenvolvido pela Aduge, de Curitiba, está disponível para PC e Mac e a venda no Desura, Indievania e no site oficial da Aduge. E um dia estará no Steam se vocês ajudarem aí votando no Greenlight!

GAMESFODA

Sobre

Dono dessa merda e entidade transcendental de GAMESFODICE. Eventualmente assume forma humana como um programador barbudo ou um negão de dreads.

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