Retrospectiva Metal Gear: Metal Gear Solid (1998)

Parte 1: As origens da série no MSX

Tan tan tan tantantan.

Tan tan tan tantantan.

Com essa singela introdução – que nenhum de nós fazia a menor ideia que pertencia a Policenauts – tudo mudou. Em 1998, exceto para alguns poucos de nós que conheciam o ofensivo port pra NES do primeiro jogo, Metal Gear Solid era um título completamente novo. Se por um lado isso tirava o impacto de conhecermos a história e histórico de personagens como Solid Snake, Gray Fox, Big Boss, a unidade FOXHOUND e a ameaça do Metal Gear, o outro lado da moeda era que tudo que vivenciássemos no jogo seria uma surpresa.

A curiosa referência a um título ainda menos conhecido logo nos créditos iniciais tinha razão de ser. O então Metal Gear 3 estava planejado para sair no 3DO e a produção se iniciaria assim que Policenauts fosse lançado – tanto é que em seu “Pilot Disk” (uma espécie de demo/preview) havia artworks e rascunhos iniciais de Solid Snake, Meryl Silverburgh (uma versão alternativa dela inclusive é personagem de Policenauts!) e da unidade FOXHOUND feitas por Yoji Shinkawa, que viria a se tornar um dos pilares da razão de ser da humanidade nos anos seguintes. Só que aí alguém lá na Konami sussurrou ao pé do ouvido do Kojimestre supremo: “E se a gente lançasse seus jogos num videogame que mais de três pessoas compraram?” (carece de fontes). A produção foi então reorganizada para o recém-lançado destruidor de lares e umedecedor de roupas de baixo, Playstation.

Num momento de profunda reflexão e brilhantismo puro, nosso ser humano favorito realizou que seus jogos anteriores não eram exatamente conhecidos no resto do mundo – o segundo sequer saiu em inglês, afinal. O título da obra foi alterado para METAL GEAR SOLID, portanto, tendo “Solid” três significados: uma referência ao personagem principal, Solid Snake; lembrar a todos o uso da tecnologia 3D; uma alfinetada na então rival da Konami, Squaresoft (vai entender). O escopo inicial de METAL GEAR SOLID era “ser o melhor jogo já feito para o Playstation”, acidentalmente se tornando O MELHOR JOGO DE TODOS OS TEMPOS!1!!!1!…….

Okay, vamo lá, vai.

METAL GEAR SOLID (1998)

Plataforma original: Playstation

Onde pode ser jogado hoje em dia: Versão digital na PSN (linha PSOne Classics), coletânea Metal Gear Solid Legacy Collection (Playstation 3/Vita/PSP, já que é o digital), Metal Gear Solid Essential Collection (PSOne mesmo, discão preto original legal pra caralho, embora a coletânea seja pra Playstation 2)

Em 2005, durante um exercício de treinamento na base de Shadow Moses, no Alasca. A unidade FOXHOUND comandada por Liquid Snake se rebelou contra o governo americano e, utilizando-se da próxima geração de Forças Especiais e do novo protótipo Metal Gear REX, ameaçava a paz mundial caso suas demandas não fossem atendidas: um bilhão de dólares (humilde, até) e os restos mortais do mercenário Big Boss (aí fodeu). Para reverter a crise, Roy Campbell foi chamado e concluiu que a melhor decisão seria trazer Solid Snake de volta da aposentadoria pra salvar o mundo de um holocausto nuclear uma vez mais.

O mundo então conhecia a ação e tensão de controlar Solid Snake no que era uma evolução excelente do que fora oferecido em Metal Gear 2. Pela primeira vez, tínhamos a oportunidade de conhecer uma história que, por mais que fosse basicamente um filme de ação B, era contada de forma magnífica pelo olhar de Hideo Kojima, demonstrando sua paixão pela arte cinematográfica. O jogo começa sério e grave em sua crise, fazendo com que o jogador se sinta imerso naquela atmosfera tensa, fria e metálica de Shadow Moses. A trilha sonora animalesca pra cacete, repleta de elementos metálicos e eletrônicos, é essencial na manutenção desse clima.

Para entender como criar um mundo verossímil para o jogador, a equipe de produção passou por aulas com grupos da SWAT sobre armas, veículos e explosivos. Kojima não poupou esforços, dizendo que “se não pudermos enganar o jogador que esse mundo é real, não há sentido em fazer esse jogo”. Há tanta atenção nos detalhes para tornar tudo crível que é quase impossível enumerar tudo – pensa que, mil novecentos e noventa e oito anos depois de Cristo, um laboratório de informática de um joguinho tinha mesas e workstations completamente diferentes umas das outras. Algo irrelevante do ponto de vista do jogo em si, mas que colabora pra tornar aquele mundo único, vivo e real. Ainda que a história boba de espionagem seja exagerada, ela é pautada em tecnologias realistas, equipamentos realistas e personagens que pensam e agem de forma realista.

Aí você se depara com uma alucinação flutuante de um cara com máscara de gás e descobre que ele é um telepata. E um Ninja Ciborgue que fica invisível. E um xamã num tanque de guerra, que você derrota com granadas (entre outras estratégias possíveis). O bagulho fica muito louco, e Metal Gear Solid sabe que o bagulho ficou muito louco, e sabe que o jogador sabe que ele sabe, mas os personagens continuam agindo e pensando e forma realista, lidando com seus equipamentos e tecnologias verossímeis. Pelo amor de deus, o cara lê seu Slot 1 do Memory Card e controle, diz quais jogos da Konami você joga, move o Dualshock com o poder da mente… E UMA DAS FORMAS DE DERROTÁ-LO É USANDO O SLOT 2, QUE ELE NÃO LEU, e depois volta tudo ao normal, segue o samba. Você interage fisicamente com o jogo de uma forma além de só apertar os botões no controle. Isso não é normal, cara.

O contraste entre a doideira pura e abordagem realista por parte das personagens é inquietante e, uns anos mais tarde, conforme a série evoluiria, chegaria a ser assustador em alguns momentos.

Metal Gear Solid também nos introduz a um dos personagens mais importantes pro futuro da série: Revolver Ocelot. Ocelot é basicamente um caubói com um fetiche literalmente sexual por armas de fogo em primeiro momento, mas acaba sendo a influência de muitas outras coisas que aconteceriam depois – ele conhecia o maior soldado de todos os tempos, Big Boss, por exemplo, e usa de sua origem Russa para enganar todo mundo. Em primeiro momento, Ocelot queria capturar Metal Gear REX e vendê-lo para a Rússia, sua terra-mãe – além de ser um dos maiores companheiros de Liquid Snake, sendo o encarregado de algumas logísticas e de tortura na unidade FOXHOUND, onde seus outros membros estavam preocupados apenas em matar Solid Snake.

Solid Snake primariamente deveria procurar por Donald Anderson, o presidente da DARPA, pra saber o que diabos estava acontecendo ali. Após encontrá-lo, Donald diz que os terroristas estão em posse de Metal Gear REX e portanto podem lançar uma bomba nuclear, já que o grande tchans do roboôzão era justamente poder lançar ogivas a partir de qualquer terreno. Coincidentemente, assim que o presidente termina de implorar a Solid Snake que ele desativasse REX, sofre um ataque cardíaco e morre, sem que possamos fazer nada. Ele havia dito que para ativar REX seriam necessários dois passwords: um que pertencia a ele mesmo e que a FOXHOUND já tinha adquirido, e um que era de Kenneth Baker, presidente da ArmsTech, que também estava envolvido nessa maluquice toda do Metal Gear. No caminho para Baker, Snake encontra também Meryl Silverburgh, sobrinha de seu atual comandante, Roy Campbell. Meryl admirava a FOXHOUND pela época em que seu tio ainda estava por lá (durante Metal Gear 2: Solid Snake) e, sabendo disso, durante o incidente de Shadow Moses, o governo dos Estados Unidos a enviou para a ilha já que assim Roy – além de estar psicologicamente abalado – esconderia algumas informações vitais de Solid Snake, tornando a operação toda mais nebulosa. Após o primeiro encontro com Meryl, Snake acha o presidente da ArmsTech e antes que possa conversar é atacado por Revolver Ocelot. Durante a luta, porém, o Ninja Ciborgue (!) aparece do nada e corta o braço de Ocelot, que é obrigado a fugir.

Logo após isso Snake, que finalmente pôde conversar com Baker, descobre que os terroristas já estavam em posse dos dois cartões, mas que havia uma outra maneira de impedir a ativação de REX: um terceiro cartão. Snake sai em busca desse terceiro cartão mas antes de partir em outra jornada fútil como haviam sido essas anteriores, resolve ir direto a raíz do problema: Dr. Hal Emmerich, o engenheiro que projetou Metal Gear REX. Quando se encontra com Emmerich, porém, Snake é atacado mais uma vez pelo Ninja Ciborgue, que aparentemente era um velho conhecido. Após a luta é revelado que esse Ninja é ninguém menos que o próprio Gray Fox, o ex-melhor soldado da FOXHOUND lá de Metal Gear 1 e 2. Após Snake “matá-lo” no último jogo, ele foi usado de cobaia para a terapia genética que agora havia sido aplicada a todos os soldados da ilha. O único modo de fazê-lo sobreviver, porém, foi transformando-o em uma anomalia meio humana e meio robótica, e isso acabou com suas faculdades mentais. Depois de fugir mais uma vez, Snake entra em contato com Dr. Hal – que tem o apelido de Otacon – só pra descobrir que, apesar dele ter sim criado REX, não achou que seria usado para fins nucleares.

Eventualmente (quase) tudo se explica quando Snake finalmente acha o Hangar de REX e devido a um monte de desinformação acaba ativando-o sem querer. Nessa jornada inteira Meryl e Otacon o ajudam bastante, se tornando personagens essenciais no resto da série, e descobre-se que o plano todo para pegar o código genético de Big Boss partia de Ocelot, não de Liquid Snake, e que esse DNA também seria usado para terapia genética de soldados.

Mais do que a história de filme de ação B, pela primeira vez num título grande e num console de grande público, de repente jogar videogame não era mais só jogar videogame. Além de toda a doideira, a experiência de METAL GEAR SOLID e do que viria ser o resto da série envolve um processo de filtragem interna por parte do jogador, requerendo uma certa compreensão do mundo exterior e do seu período histórico, que muda em duzentos por cento a absorção dessa história de filme B. Debate-se o risco do armazenamento de material nuclear, o fato de a Guerra Fria ter acabado mas a corrida armamentista continuar existindo por baixo dos panos; a manipulação genética e seus benefícios, malefícios, a ética ou a falta dela ao lidar com o genoma.

E nesse que acaba sendo o tema central do primeiro jogo da série Solid, GENE, há uma mensagem simples porém bela de que nós não somos apenas quem “nascemos” pra ser. Nosso código genético não define nosso destino, nós definimos. Liquid Snake e Solid Snake são irmãos gêmeos, clones do Big Boss com uma pequena diferença: Liquid possui todos os “Genes do Soldado” dominantes enquanto Solid os possui recessivos. Ambos foram levados a acreditar no contrário, tornando a vitória do recessivo sobre o dominante a prova viva de que os genes são apenas mais uma das inúmeras características que compõem o ser humano – Solid venceu Liquid, lutando impulsionado pelas últimas palavras de Gray Fox: “Vivi a vida toda como soldado, mas ao menos lutei pelo que acreditava. Não somos ferramentas do Governo ou de ninguém mais”. Ninguém mais, nem nosso material genético que parece ter escrito toda a nossa história antes mesmo de nascermos.

É uma mensagem boba e cafona, mas poderosa por estar numa mídia como o videogame, interativa, que exige participação ativa para se desenrolar. Durante a trama, Solid Snake tem a confiança traída diversas vezes e descobre que carrega em si um vírus fatal que tem suas vítimas pré-programadas de acordo com o código genético, o FOXDIE. O mesmo vírus dá cabo de Liquid Snake, o que significa que, em algum momento, também vai afetá-lo. Resta ao herói viver a vida que lhe resta.

O melhor jogo de todos os tempos.

Amanhã voltamos com METAL GEAR SOLID 2, ou “MAS O QUE-”, “HEIN?”, “QUE PORRA É ESSA?!”, “O QUE EU ACABEI DE JOGAR?!?!”, entre outros..

Parte 3: Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty (2001)

GAMESFODA

Sobre

Dono dessa merda e entidade transcendental de GAMESFODICE. Eventualmente assume forma humana como um programador barbudo ou um negão de dreads.
  • Igor A. Oliveira

    Isso tá sendo mais lindo do que eu esperava.

  • http://www.zelda.com.br/ Twero

    Nunca me esqueço, quando terminei o Twin Snakes, no meio daquele climão de filme B e tudo terminando bem, os caras jogam na minha cara uma frase reflexivas de quantas instalações nucleares ainda estavam em funcionamento do mundo. De repente, toda aquela ficção sobre um tanque bípede com potencial nuclear, me fez refletir sobre o estado do mundo, e como eu deveria me preocupar mais em trilhar meu próprio caminho e viver a vida.

    Um jogo que, tal qual seus antecessores, é cheio de boas sacadas e detalhes minuciosos (como saber quem era a Meryl disfarçada pelo rebolar (!) dela e outras Kojimices). Um jogo pra ficar na história.

  • Jardeson Barbosa

    Joguei esse no PS1 mesmo e nem lembro o motivo. Nem era ligado em revistas e coisas do tipo, jogava umas coisas aleatórias que me emprestavam ou meu pai comprava. Lembro que fiquei louco com aquela intro, passei uns 40 minutos naquela entrada no gelo, tentando achar uma passagem e tentando não ser pego, mas sempre morria. Não entendia nada que todo mundo conversava (sdds saber inglês na época) e mesmo assim tive uma experiência incrível. Achava aquelas cutscenes em que mostravam cenas reais de mísseis o ápice da tecnologia. Sofri pra passar pelo Mantis até alguém me falar do truque dos controles. Não consegui resistir à tortura (pra mim esso foi o momento em que eu disse “deus abençoe quem fez isso, obrigado deus, obrigado jesus, aaaaah”) e a Meryl morreu. Chorei oceanos no final com ela morta pq achei que iria rolar um deus ex machina e ela iria levantar viva. Sinto saudade daquela inocência, de achar tudo aquilo magnífico e não ter absolutamente nada pra questionar. Nenhum jogo atual jamais me trará a mesma experiência. Na época do MGS2 eu já estava chato, achava o enredo absurdo, achava tudo ridículo 🙁

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  • Tutubarão

    Com todas as informações que são passadas além do jogo em sí ,kojima ajudou na escolha da minha faculdade (relações internacionais)…..Texto Foda e o hyper só aumenta

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